sexta-feira, 4 de abril de 2008

O sentido da vida


free music

Uma das mais radicais odisséias de um homem em busca de paz e um sentido para a vida, sentimentos algo distantes da cidade e do que a maioria chama de civilização. Essa é a trama do fundamental, belo e chocante filme Na Natureza Selvagem.

Christopher McCandless é o sonho da sociedade americana. O jovem bonitão de família bem-sucedida que acaba de se formar na faculdade e tem todas as oportunidades que quiser pela frente. Após a formatura, ele vai almoçar com os pais, que debocham de seu carro velho e querem lhe dar um novinho, mais de acordo com o novo status do rapaz. Só que Christopher não quer saber de carro novo, tampouco de uma carreira. Desiludido com os excessos do materialismo e com um pai violento e manipulador - que só pensa em seu trabalho e espera que o filho tenha uma “vida normal” de sucesso como ele - o jovem só pensa em procurar o único lugar que poderá lhe dar paz: a natureza. Só que a natureza para Chris não é simplesmente relaxar e espairecer numa praia ou montanha e depois voltar pra “vida normal”. Em seu coração asfixiado, Chris só pensa em uma palavra-mantra, o lugar mais distante que imagina de seu país: Alaska. Só pensa em procurar algo que ainda desconhece. Algo próximo do isolamento da sociedade e da paz e libertação espiritual que tanto encontra em seus livros preferidos, de autores que buscaram a aventura, a vida selvagem ou o isolamento: Jack London, Thoreau, entre outros.

O jovem vai então sumir no mapa sem deixar rastros. Detalhe: antes de partir ele doa todas as suas economias, 24 mil dólares, a uma entidade de caridade.

Chris parte país afora com seu carro velho e depois segue caminho pegando carona, descendo rios de caiaque, viajando clandestinamente em trens e de carona de novo. Em sua jornada, cruza lugares de paisagens maravilhosas e dá um tempo em alguns povoados onde conhece pessoas especiais. Pessoas incríveis, mais humanas que o povo das grandes cidades, que poderiam fazê-lo esquecer o louco objetivo gelado do Alaska.

Fiel à verdade dessa história (da qual não darei detalhes para não estragar algumas supresas), o diretor Sean Penn nos entrega uma obra prima sobre a história real de de Chris. Rodado quase todo ao ar livre, com cenas de beleza inesquecíveis, Penn ainda é ajudado pela magnífica atuação do jovem Emile Hirsh (de Alpha Dog e Os Reis de Dogtown), que faz o protagonista e um elenco de apoio não menos pungente. Um elenco que torna os personagens solidários e generosos que cruzam a jornada de Chris ainda mais tocantes.

Na Natureza Selvagem é essencial para abalar nossos modos de vida e planos de vida ou para reafirmá-los, porque mesmo a inabalável convicção de Chris - de que o isolamento na natureza selvagem é o máximo que um homem pode aspirar – será questionada.

Sim, a missão-busca de Chris é algo quase sagrado, elevada e bela demais, mas falta-lhe talvez algo ensinado por um grande amigo que faz em sua viagem, um simples trabalhador rural: equilíbrio.

Mas como encontrar o equilíbrio frente a esse sistema e sociedade que nos massacram diariamente nas grandes cidades? Talvez mergulhando na belíssima trilha sonora do filme, toda ela composta, tocada e cantada por Eddie Vedder, o mestre do rock de alma do Pearl Jam. Eddie criou as canções de acordo com as cenas e jornada do filme. E quem melhor que o tão crítico líder do Pearl Jam para fazer uma trilha de um homem fugindo de nossa sociedade ultra materialista em busca de uma ascensão espiritual? Assim ele canta em Big Hard Sun, “When I go to cross that river / She is comfort by my side / When I try to understand /She just opens up her hands”. Quando eu vou cruzar o rio, Ela (A Natureza) me conforta ao meu lado / Quando eu tento entender / Ela apenas abre suas mãos.

Abrir as mãos, estendê-las e oferecê-las. Por que os homens não aprendem a grande lição de generosidade e pureza da Natureza?

E por que os homens não percebem quando encontram na grande jornada pessoas tão amplas, belas e cheias de amor como a Natureza? Talvez porque seja preciso retribuir essas mãos, tocá-las e ficar com elas. Chris precisou fugir de uma sociedade e vida de mãos encolhidas, que lhe apontavam apenas metas financeiras e uma carreira convencional. Mas na grande viagem ele encontrará mãos, braços e almas que se abrem de verdade para ele.

Por que seguir em frente? Talvez porque na viagem que empreende, Chris precisa abandonar tudo, como o dinheiro que ele queima e torna-se símbolo de uma quebra de laço irreversível com a sociedade e a própria humanidade. “... a viagem de Christopher em Na Natureza Selvagem é trajetória metafísica, de busca do ser, e não simplesmente uma aventura. Ao despojar-se de tudo, Christopher mergulha no abismo, na imensidão de si, representada pela natureza intocada. Christopher busca tudo. Ou o vazio, o que vem a dar na mesma.” (Luiz Zanin Oricchio, Estado de S.Paulo)

2 comentários:

Unknown disse...

Maravilhoso Zé.

Fiquei emocionadíssima com a foto no final. Fora o resto.

Anônimo disse...

Zé, o filme é lindo. Tocante, emocionante demais. Difícil acreditar que seja uma história real. Sei lá, por mais que eu não aceite ou não concorde com o materialismo exagerado e a desumanidade dessa sociedade capitalista e egoísta, faço parte dela. Sou tão capitalista e egoísta quanto as outras pessoas.

Sim, eu me choco com mães e bebês na Paulista, de mãos estendidas e coração encolhido. Me apiedo delas (e não existe sentimento pior e mais estúpido do que o dó).

Muitas vezes me sinto desumana por ter sonhos de consumo, por andar num shopping e desejar uma bolsa nova ou um sapato caro. Mas, Zé, eu sou fraca demais, jamais doaria tudo o que tenho em busca da "natureza selvagem".

Ao Chris falta equilíbrio. Falta estrutura. A estrutura familiar que ele nunca teve. Ele se revoltou contra tudo, quis buscar uma resposta. Entendo isso. Mas é como o velho Franz diz: "quando perdi minha família, me entreguei ao uísque. Quando me dei conta de que isso estava me destruindo e em nada ajudava a amenizar a dor; quando me dei conta que isso não faria a minha família feliz, parei de beber no mesmo instante."

Acho que é um pouco assim com o Chris também. Ir para o Alaska, viver na natureza, isolado do mundo "selvagem", não traria a reflexão e a paz que ele buscava.

A viagem e busca deviam partir de dentro para fora (mas será que é preciso se isolar?). Ele rompeu com o sistema. E o que ganhou? Sim, conheceu muitas pessoas incríveis, felizes, que precisavam de pouco para viver. Mas, Zé, essas pessoas também não eram ilhas. Não eram a ilha que ele queria se tornar. Nenhum ser humano consegue viver isolado.

E será que uma nova identidade (Alex Supertramp) traz um novo sentido para a vida? Será que adianta fugir? Quebrar as regras é matar a si mesmo? Não sei, Zé. Isso tudo é louco demais para mim. É utópico, maluco. O filme me impressionou. Muito. Mas não sei o que pensar direito. Acho que o mais exagerado da história era o próprio Chris. Tá, minha visão é limitada. Sou capitalista e materialista também. Acho que é por isso que nunca vou entender o sentido da vida que ele tanto quis alcançar.
Um beijo, querido. Inté.

PS: Ah, vi também o Condor (é bom, mas é muito longo, eu achei repetitivo, meio chato isso) e Apenas uma vez - lindo, muito, muito. Que capacidade incrível de transformar tudo em canção. Me apaixonei. Escreve depois sobre ele. Um beijo.