sexta-feira, 28 de março de 2008

O sonho que o rock e a vida já foram


O sonho ainda não havia acabado. Assim eram os anos 70, fartos em contestação, atitude e invenção. O filme “Quase Famosos” resgata esses tempos mais puros e bonitos, em que se acreditava que uma canção pudesse mudar uma vida.

Só há vida com o rock. É isso o que percebe o garoto William Miller, personagem principal do filme. Sua irmã mais velha roqueira, Anita, não suporta a repressão da mãe e vai embora ser aeromoça. Mergulha fundo na canção de Simon e Garfunkel, “I walked out to look for America” (eu caí fora para procurar pela América).

Herança de sonho. Antes de botar o pé na estrada, Anita entrega ao irmãozinho William um tesouro que escondia embaixo da cama. O menino abre uma grande caixa e logo se vêem discos das grandes bandas e artistas da época, Led Zeppelin, The Who, Bob Dylan, Simon e Garfunkel, Black Sabbath e outras lendas.

Da paixão faz-se uma vida. O garoto cresce, torna-se um adolescente tímido, mas roqueiro genuíno (pega fogo por dentro como longos e improvisados solos de guitarra). E com 15 anos, começa a escrever sobre rock, em pequenos jornalzinhos.

O Mestre. Sorte de William que ele passa a desfrutar dos conselhos de um genial crítico da época, Lester Bang, que não liga para a pouca idade do menino (prestem atenção, professores, pais e editores de todas as épocas!), pois tem fé no seu talento. “Só” lhe cobra que William seja “honesto e impiedoso” com os astros do rock.

O garoto aprimora o ouvido e seus textos com Lester e acaba sendo convidado para escrever na maior revista de rock, comportamento e cultura da época, a Rolling Stone. Sua missão? Viajar com uma banda de rock em ascensão, a Stillwater (clara inspiração do Led Zeppelin) e fazer essa cobertura.

William enfrenta a estrada como sua irmã. Aprenderá a lidar com amigos, paixões e ídolos, com o sexo e o amor. Sua guia “on the road” será a doce, sincera e sensual fã da banda, Penny Lane.

Como ficar impune ao seu envolvimento com a banda? O caminho da integridade William descobrirá com quem viaja junto dele e refletindo sobre as belas mensagens das canções do filme (de Simon e Garfunkel, Elton John, Yes etc).

Canções com melodias sublimes, letras que diziam algo e o fervor de um tempo em que ainda se lutava por um mundo mais bonito e decente. Bem diferente das mentiras, marketing, jabás e mediocridade do rock (rock?) de hoje. Bem diferente da passividade que amputa a vontade dos jovens desse novo século.

A essência do rock daria alguns suspiros depois (com Kurt Corbain, Eddie Vedder, outros grunges, com os irmãos Gallagher e os antigos que não desistem da estrada), mas se perdeu em algum pedaço da geração de “Quase Famosos”.

Lição final? Em um momento decisivo do filme, William está junto do guitarrista da Stillwater, Russell, e faz a pergunta fundamental: “o que você mais ama na música?”.
Com apenas 15 anos, William já sabia o que deveria procurar: a essência do que fazemos, de quem somos, de nossos sonhos, de nossas crenças.

Obrigado por nos lembrar da verdade, William Miller. A verdade celebrada na balada “Simple Man”:

“…siga seu coração e nada mais
seja um homem simples
seja algo que você ama e compreenda…”


* Dedicado a todos meus amigos roqueiros, e em especial, ao brother do remo, à mestra da Ginástica e Van Halen e à doutora mais rock com amor que conheci. E para o Bora, que sempre me lembrou que "it´s all happenning".

As Crianças da Revolução


“Duzentos anos de tecnologia americana criaram sem querer um imenso playground de cimento de potencial ilimitado. Mas foram só as mentes de garotos de 11 anos de idade que puderam perceber esse potencial.” [Craig Stecyk, revista Skateboarder, 1975]

Esportistas radicais [e qualquer outro rebelde que se preze] que não conhecem a história dos Z-Boys, desconhecem parte dos pilares de coração, coragem, inovação e talento que ajudaram a transformar o sk8 e os outros esportes de ação para sempre.

Los Angeles, Califórnia, anos 70. Um grupo de garotos de famílias desajustadas de um quarteirão miserável, batizado de Dog Town [“cidade dos cachorros”], leva para o skate a beleza e ousadia das manobras do surf e revolucionam o esporte das rodinhas. Além disso, o grupo evolui de moleques sem futuro para exemplos de atletas profissionais e depois empresários de sucesso. Essa é a história real dos amigos adolescentes e hoje mitos do skate, Tony Alva, Jay Adams, Stacy Peralta, entre outros, revelada no fabuloso documentário “Dog Town and the Z-Boys”.

Um bando de moleques ousados não poderiam fazer esse estrago sozinhos. Vital então foi a pioneira loja de surf e sk8 de Dog Town, a Zéphyr, criada pelo shaper Jeff Ho, com os sócios, Skip Engblom e o artista Craig Stecyk. Jornalista, artista e fotógrafo Stecyk foi o homem que traduziu aquele verdadeiro movimento para a mídia.
Explosão. “Aqueles meninos de famílias destruídas, acabaram formando um verdadeiro clube na loja. E eles colocavam no surf e no skate toda a agressividade que traziam de seus lares desfeitos”, lembra Skip.

As mudanças profundas implantadas pelos Z-Boys? Antes deles, o skatistas apenas faziam manobras suaves, como andar até o bico, deslizar com os pés nele, plantar bananeira etc. Com eles, surgiram no asfalto, pela primeira vez, manobras típicas das ondas: cavadas e rasgadas com velocidade e risco.

O mestre. Os Z-Boys incorporaram a arte e agressão de Larry Bertleman, o mais radical e estiloso surfista da época, o pioneiro a colocar as mãos na água a cada manobra, parecia sempre pintar as ondas. Nascia então o sk8 moderno, uma ode ao estilo, velocidade, risco e força.

Jimmy Hendrix das rodinhas. Antes dos Z-Boys, o skate era apenas mais um equipamento esportivo. “Nós pés desses meninos, o sk8 não é mais uma peça de equipamento esportivo, como uma raquete de tênis. É mais uma guitarra elétrica, um instrumento agressivo, irreverente, de expressão pessoal espontânea.” [G Beato, jornal The Guardian, Inglaterra]

E os garotos de Dog Town levariam o skate ainda mais longe. Em 1975, com uma longa seca assolando a Califórnia, água virou produto de luxo, super racionada. Resultado imediato? As piscinas ficaram vazias. Os Z-Boys não perderiam aquela maravilhosa disneylândia por toda a cidade. Começaram a desbravar piscinas-picos de todo tipo. Primeiro, só rasgavam as paredes. Logo alcançaram as bordas e trouxeram as batidas do surf para o sk8. Só que o surf ficaria para trás quando um dia Tony Alva levantou vôo e conseguiu aterrisar na piscina. Sim, era o primeiro aéreo, o que mudaria os esportes radicais para sempre.

Mas nem tudo é alegria e sucesso em Dog Town. Como a trajetória do mais telentoso garoto daquele grupo, Jay Adams. Raras imagens como a do então menino Adams, cabelos compridos desgrenhados, jeans surrado e energia de seus 15 anos de garoto pobre voando, desenhando belas linhas em qualquer pico, são tão representativas do que é a liberdade, arte e o abandono mais puro desse esporte. Mas Jay Adams atuais mostravam um homem entristecido, dando seus depoimentos da penitenciária do Hawaii onde cumpria pena por tráfico de drogas.

“Dog Town and Z-Boys” mostra toda essa epopéia com imagens da época, em Super 8, e traz depoimentos recentes. Pra completar, uma fantástica trilha sonora dos anos 70, com Black Sabbath, Alice Cooper, Aerosmith, Led Zeppelin, Peter Frampton, Ted Nugent... só sonzeira. Dog Town estréia amanhã [sexta] nos cinemas paulistanos. O diretor do filme é o próprio ex-menino da Zéphy, Stacy Peralta, hoje bem-sucedido cineasta.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Peixe Grande (o dia em que entendi meu pai)


“Um homem que procura encontrar a verdade na fantasia” [Peter Travers, revista Rolling Stone]. Assim é Ed Bloom, o personagem principal do filme “Peixe Grande” [Big Fish]. Nesses tempos de overdose de realidade – a violência, desrespeito, desamor e o não enxergar o outro predominam - Bloom é ainda mais essencial. Porque ele enxerga a beleza por trás de cada pequeno acontecimento e relacionamento.

Pais e Filhos. Ed Bloom [magistral atuação de Albert Finney] é um senhor já aposentado que está morrendo em sua casa. Seu filho, o jornalista Will [Bill Crudup, de Quase Famosos], mora em Paris e não o vê há anos. O motivo? Tinha brigado com o pai porque “não aceitava mais as mentiras que ele contava”. Will crescera escutando os “causos” cabulosos do pai: aventuras incríveis com bruxas videntes, gigantes, um dono de circo que vira lobo, uma mágica cidadezinha escondida num bosque sinistro, o incrível amor à primeira vista com a mãe de Will, e muito mais.

Um dia o filho, já crescido, resolveu entender a magia e beleza das histórias do pai como farsas. O filme trata então do reencontro de Will com o pai. É a tentativa final dele de descobrir se existia alguma verdade naquelas lendas. Enquanto ele tenta, assistimos às maravilhosas imagens das histórias contadas pelo velho Edward, num espetáculo de cores, paisagens e encontros cheios de amizade e amor que são a marca do diretor Tim Burton [o mesmo de Eduardo Mãos de Tesoura, com Johnny Depp].

Claro que Will, como jornalista e filho, anseia pela verdade. “Pai, você nunca me contou um único fato, só me falou de suas lendas impossíveis”, assim questiona o velho. Mas logo perceberá que a imaginação farta do pai não eram lorotas. Eram lições de vida. Porque um sonhador como Ed Bloom jamais aceita essa seqüência brutal e estúpida de rotinas que alguns acham que é vida. Sua missão é outra. É torná-la mais suportável, bela, feliz. Para seu filho, amigos e a mulher de sua vida [em cativante e terna performance de Jessica Lange].

Qualquer filho que se preze deixa a sala de cinema de Peixe Grande emocionado [mas não saiam antes da bonita canção de Eddie Vedder, “Mr. Pearl Jam”, que toca junto dos letreiros]. “Ah, pai, pára, não inventa”... “Papai aumenta tudo”... Lembrei quantas vezes falei isso pro meu velho, quando ele vinha contar aquelas coisas que nem os contos de fadas tinham coragem de inventar.

Mas lembrei também das loucuras que meu velho aprontava, como as inúmeras vezes em que tocou fogo nos terrenos baldios [e chamava os bombeiros metendo o pau no “louco” que fez isso...], jogava bomba de estilingue no quintal do vizinho chato, tava cinco minutos no sítio de alguém e logo jogava o cachorro mais cheio de barro na piscina, jogava bomba de fumaça nas minhas festas de aniversário, entrava no estádio do Morumbi “pagando” como ingresso um saco de mexericas para o porteiro [e ele entra de graça até hoje!, com outras artimanhas], etc.

Valeu, velho, por fazer da vida algo bem mais divertido e por nunca ter perdido a capacidade de “incrementar” qualquer historinha. Sempre adorei, por exemplo, perguntar pra você, ”pai, você viu tal jogador jogar [algum craque do passado, do futebol ou basquete]?” e você sempre responder, “vi”, e contava algo. Você podia nuca ter visto o cara, mas sabia como descrever-inventar um gol ou uma partida incrível. Obrigado então, pai, por fazer da vida um eterno romance.

O Velho do Mar


Califórnia, EUA, dias de hoje. Um antigo campeão das ondas, Jim Wesley, quase um cinqüentão, poderia ter desistido da vida após perder a mulher e o filho em um acidente. A fidelidade aos seus ideais e às ondas não permite essa fuga e covardia. Porque Jim ainda sabe que a palavra fundamental é “compartilhar”.

É por isso que ele entra na vida de um garoto, órfão de pai, que quer aprender a surfar. É assim que ele vai voltar a viver: dividindo sorrisos e sessions com esse menino.

Óbvio imaginar o que acontecerá [o moleque ainda tem uma bela mãe e um irmão rebelde]? Sim, mas as palavras de Jim Wesley não são nada banais. São bem diferentes dos egos inflados, egoísmo e desrespeito que transbordam hoje dentro e fora do mar.

Jim se afastou das competições e da busca por ondas cada vez maiores porque achou que tinha coisas mais importantes para fazer: “Passei tanto tempo tentando provar algo, tentando ser aquele cara [de um pôster na parede, ele dropando uma morra monstruosa], que esqueci a razão pela qual eu surfava”.

Ele também passou uma borracha na interminável procura da onda perfeita: “As ondas que eu pegarei amanhã serão sempre as melhores e mais importantes.”

O que vale para Jim Wesley é surfar. Em qualquer lugar, em qualquer tipo de onda.
Não importa o tamanho da onda. Mais importante é o tamanho do coração do surfista.

Pensem nisso antes de reclamar do mar e de qualquer coisa.

“Não importa se o mar está calmo ou feroz, mas sim o modo como você vai sentir a brisa em sua alma” [Janaína Grasso, ex-aluna do colégio Horizontes-Uirapuru]

PS – Jim Wesley é na verdade o ator Mark Harmon. É um personagem do filme “No Calor do Verão” [passa no canal a cabo Cinemax e pode ser alugado em vídeo ou DVD]. Um filme despretensioso e simples. Mas o olhar e palavras de Jim valem mais que horas e horas desses vídeos de surf moderninhos.