sexta-feira, 25 de abril de 2008

Valentin, um lutador de 8 anos


“Valentin” é mais um pequeno tesouro do tão humano cinema argentino, mais preocupado em contar histórias simples de afetos e relacionamentos que poderiam ter acontecido com a gente [ou aconteceram mesmo, de forma parecida]. O Valentim do nome do filme é “apenas” um menino. Mas como já sabe viver. E viver, de verdade, só pode ser lutar. É isso o que faz todo dia esse garoto de classe média baixa que mora sozinho com a avó numa casa humilde, mas confortável, na Buenos Aires, Argentina, dos anos 60.

A luta de Valentin é para reconstruir sua família, partida desde que sua mãe fugiu, por não agüentar mais os maus tratos do pai. Pai esse que não some, mas também sai de casa, deixando o moleque com a avó. Sim, muitas crianças crescem bem cuidadas e cheias de carinho quando são criadas pelos avós. Não é o caso da amarga e triste “abuela” de Valentin.

Como lutar para ter uma nova família [pai e mãe]? A única esperança do menino é sempre uma nova namorada de seu pai. O problema é que seu velho, agressivo, acaba espantando uma por uma. Ou as mulheres que ele encontra fogem muito dos ideais do menino, de uma nova mãe linda, delicada, carinhosa e com os cabelos da cor que mais gosta numa mulher.

Mas o desenvolto guri não desanima. Não é daqueles de ficar se lamentando [mais um daqueles filmes de crianças metidas com jeito de adultas? Não, é apenas um pequeno que fará de tudo para ser feliz, para receber mais amor, e poder dar também].

Vai à luta então Valentin, enfrentando a super proteção da avó, tentando fazer novos amigos, como um solitário pianista de rock seu vizinho, sonhando com o que será no futuro [divertidas as cenas em que mostra seus brinquedos que inventa pensando em virar astronauta] e, sobretudo, torcendo para que seu pai arranje A NAMORADA.

Um dia ela surgirá. Como Letícia [a belíssima Julieta Cardinali], a namorada do velho que Valentin sonha em ter como mãe.

Mas esse é um filme argentino. Não é Hollywood, onde ser feliz parece muito fácil. E filmes argentinos são como a vida real, cheia de imperfeições e desencontros.
Mas são também filmes simples que tentam nos ensinar algo bonito [sem apelar para cenas ou música melodramáticas], como a vida de quem jamais desiste de lutar. De quem não abaixa a cabeça ou se esconde atrás de pequenos problemas, como a avançada miopia de Valentin, atrás de seu óculos de lentes enormes.

E esse Valentin [uma das mais espetaculares atuações de uma criança no cinema, por Rodrigo Noya] é um lutador maravilhoso que nos deixa, ao sair do filme, aquele sorriso de esperança fundamental.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Diários de Humanidade


Grandes filmes são aqueles que nos modificam um pouco. Ou que nos lembram dos sonhos, tão puros e verdadeiros, da juventude. Sempre sonhei em atravessar o mundo conhecendo países, seus povos e culturas diferentes. Mas nunca desejei apenas conhecer lugares maravilhosos, da natureza ou construídos pelo homem. Me interessavam mais as pessoas, conversar com elas, perceber seus problemas, sonhos, paixões, suas histórias, ler suas palavras.

Geografia mais importante para mim foi sempre a humana: os sorrisos, existe paisagem-imagem mais deslumbrante?; as lágrimas-matas fechadas, quase inacessíveis; os campos verdejantes-abraços e apertos de mãos fortes com os amigos feitos estrada afora.

Geografia humana é o que empreendem os jovens argentinos Ernesto Guevara de La Serna e Alberto Granado, protagonistas desse essencial Diários de Motocicleta, obra-prima dirigida pelo brasileiro Walter Salles. O ano é 1952. Ernesto, na época conhecido pelo apelido de Fuser, era um estudante de medicina de 23 anos que aceita o convite do amigo Alberto, bioquímico de 30 anos, para uma louca viagem por toda a América do Sul, de um extremo ao outro, da gelada Patagônia argentina à selva do Peu e Venezuela. O desejo desses grandes amigos era mais a aventura de conhecer de moto novos lugares, mulheres para namorar, sentir a liberdade soprando no rosto e coração.

Graças que esse mesmo coração jovem dos dois - tão humano, pleno de sonhos e energia - em contato com a realidade dos pobres e miseráveis, que eram maioria em toda a América na época [e continuam até hoje], transformaria uma simples aventura em uma expedição pelo espírito humano.

À medida que avançam numa lendária moto Norton, batizada de La Poderosa, Alberto, o Gordo e Fuser vão sim, vivendo e se divertindo com encrencas que aprontavam, mulheres, amigos que faziam; mas mergulham fundo também nos dramas chilenos, peruanos, venezuelanos, especialmente dos camponeses e índios.

Impossível não se comover com os encontros de Fuser e Gordo com essa gente que perdera quase tudo - terra, bens, oportunidades educação e emprego – menos a dignidade e força para lutar. Quantos viajantes estão dispostos a se encontrar, ao invés de apenas passar pelos outros?

O mais incrível é como o diretor Salles reconstruiu essa aventura verídica dos argentinos [relatada no livro de mesmo nome que inspirou o filme]. Ele viajou meses com suas equipe e atores pelos mesmos lugares em que andaram Fuser, o futuro mito Che Guevara, e Gordo. E para dar mais veracidade à história, os personagens com que os jovens atores [os excepcionais Gael García Bernal, que faz Fuser, e Rodrigo de la Serna, que é Alberto] se relacionam no filme, são gente real, camponeses, índios e trabalhadores de pequenos povoados da América.

Impossível não sair então do cinema tocado pela necessidade de fazer algo pelos que precisam [e nosso Brasilzão miserável é tão parecido com a realidade desses Diários...], como aconteceu com o jovem Fuser, que se transformaria no mito rebelde-guerrilheiro Che Guevara.

Não assistir a esse filme é fugir de uma belíssima aula de humanidade pela qual passaram os jovens Fuser e Gordo. Pela qual deveríamos passar todos nós.

Porque deveríamos sempre pensar em “Nós”, e não apenas em nós mesmos.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O sonho sem fim das ondas da vida


“Big Wednesday” é a história de três jovens amigos inseparáveis da praia, ondas, gatas e baladas, que um dia terão que amadurecer. Matt (Jan Michael-Vincent), Jack (William Katt) e Le Roy (Gary Busey) vivem uma juventude dourada na Califórnia dos anos 60. Crescem entre sessions mágicas de surf, farras com amigos e doces mulheres.

Mas sempre existirá um “turning point”, um momento de ruptura onde se deixa de ser um menino para encarar as exigências do mundo adulto. Para o mais sensível dos brothers do filme, Jack, esta passagem é ainda mais traumática: ele parte para uma das mais estúpidas, insanas e inúteis guerras, a do Vietnam.

Quem não muda depois da guerra? Quem não se transforma ao encarar a necessidade de trabalhar e ter que viver um cotidiano longe do sonho dourado da juventude? Mas algo resiste: nos homens e mulheres fortes, os ideais seguirão intensos e invioláveis (mesmo com a sociedade e o mercado tentando nos arrancar isso).

Voltando da Guerra, Jack vai surfar com ainda mais tesão e prazer, porque ele percebe a dádiva que representa cada momento nas ondas, cada instante mágico da vida. Rola então após o seu retorno uma sequência de surf, sob uma trilha sonora clássica e densa, que é a mais bonita e poderosa que já assisti.

E a amizade de verdadeiros irmãos? Jack volta para a realidade e começa a trabalhar como salva-vidas, na praia em que antes surfava sozinho com os amigos e agora estava crowdeada [cheia de gente]. Neste momento ele reencontra seu companheiro Matt, um grande surfista que não queria a fama e os já nascentes campeonatos. Bêbado, sem objetivos, Matt quer apenas bem viver com suas amadas ondas (e para isso, não poderia trabalhar), torna-se um homem triste e perdido. Metáfora dos homens e surfistas que se perdem por não quererem abandonar o sonho.

Mas se a vida é árdua e não permite para sempre a vida mágica da adolescência, pelo menos existirá um próximo swell, ou uma próxima sexta à noite, ou um próximo reencontro com os amigos de peito.

Para os três amigos - apesar de um permanecer meio perdido no mesmo lugar, o outro trabalhando como salva-vidas, e o terceiro vivendo não se sabe onde, sempre existirá também o desejo de se verem novamente.

Bastará então entrar um grande swell que eles surgirão. Virão para surfarem juntos e compartilharem o abraço salgado e as experiências que só uma session mágica com os brothers pode oferecer.

P.S. – Esse texto foi publicado em meu segundo livro, As Ondas da Vida, publicado pela Via Lettera e encontrado em alguns sites, como o Submarino.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O sentido da vida


free music

Uma das mais radicais odisséias de um homem em busca de paz e um sentido para a vida, sentimentos algo distantes da cidade e do que a maioria chama de civilização. Essa é a trama do fundamental, belo e chocante filme Na Natureza Selvagem.

Christopher McCandless é o sonho da sociedade americana. O jovem bonitão de família bem-sucedida que acaba de se formar na faculdade e tem todas as oportunidades que quiser pela frente. Após a formatura, ele vai almoçar com os pais, que debocham de seu carro velho e querem lhe dar um novinho, mais de acordo com o novo status do rapaz. Só que Christopher não quer saber de carro novo, tampouco de uma carreira. Desiludido com os excessos do materialismo e com um pai violento e manipulador - que só pensa em seu trabalho e espera que o filho tenha uma “vida normal” de sucesso como ele - o jovem só pensa em procurar o único lugar que poderá lhe dar paz: a natureza. Só que a natureza para Chris não é simplesmente relaxar e espairecer numa praia ou montanha e depois voltar pra “vida normal”. Em seu coração asfixiado, Chris só pensa em uma palavra-mantra, o lugar mais distante que imagina de seu país: Alaska. Só pensa em procurar algo que ainda desconhece. Algo próximo do isolamento da sociedade e da paz e libertação espiritual que tanto encontra em seus livros preferidos, de autores que buscaram a aventura, a vida selvagem ou o isolamento: Jack London, Thoreau, entre outros.

O jovem vai então sumir no mapa sem deixar rastros. Detalhe: antes de partir ele doa todas as suas economias, 24 mil dólares, a uma entidade de caridade.

Chris parte país afora com seu carro velho e depois segue caminho pegando carona, descendo rios de caiaque, viajando clandestinamente em trens e de carona de novo. Em sua jornada, cruza lugares de paisagens maravilhosas e dá um tempo em alguns povoados onde conhece pessoas especiais. Pessoas incríveis, mais humanas que o povo das grandes cidades, que poderiam fazê-lo esquecer o louco objetivo gelado do Alaska.

Fiel à verdade dessa história (da qual não darei detalhes para não estragar algumas supresas), o diretor Sean Penn nos entrega uma obra prima sobre a história real de de Chris. Rodado quase todo ao ar livre, com cenas de beleza inesquecíveis, Penn ainda é ajudado pela magnífica atuação do jovem Emile Hirsh (de Alpha Dog e Os Reis de Dogtown), que faz o protagonista e um elenco de apoio não menos pungente. Um elenco que torna os personagens solidários e generosos que cruzam a jornada de Chris ainda mais tocantes.

Na Natureza Selvagem é essencial para abalar nossos modos de vida e planos de vida ou para reafirmá-los, porque mesmo a inabalável convicção de Chris - de que o isolamento na natureza selvagem é o máximo que um homem pode aspirar – será questionada.

Sim, a missão-busca de Chris é algo quase sagrado, elevada e bela demais, mas falta-lhe talvez algo ensinado por um grande amigo que faz em sua viagem, um simples trabalhador rural: equilíbrio.

Mas como encontrar o equilíbrio frente a esse sistema e sociedade que nos massacram diariamente nas grandes cidades? Talvez mergulhando na belíssima trilha sonora do filme, toda ela composta, tocada e cantada por Eddie Vedder, o mestre do rock de alma do Pearl Jam. Eddie criou as canções de acordo com as cenas e jornada do filme. E quem melhor que o tão crítico líder do Pearl Jam para fazer uma trilha de um homem fugindo de nossa sociedade ultra materialista em busca de uma ascensão espiritual? Assim ele canta em Big Hard Sun, “When I go to cross that river / She is comfort by my side / When I try to understand /She just opens up her hands”. Quando eu vou cruzar o rio, Ela (A Natureza) me conforta ao meu lado / Quando eu tento entender / Ela apenas abre suas mãos.

Abrir as mãos, estendê-las e oferecê-las. Por que os homens não aprendem a grande lição de generosidade e pureza da Natureza?

E por que os homens não percebem quando encontram na grande jornada pessoas tão amplas, belas e cheias de amor como a Natureza? Talvez porque seja preciso retribuir essas mãos, tocá-las e ficar com elas. Chris precisou fugir de uma sociedade e vida de mãos encolhidas, que lhe apontavam apenas metas financeiras e uma carreira convencional. Mas na grande viagem ele encontrará mãos, braços e almas que se abrem de verdade para ele.

Por que seguir em frente? Talvez porque na viagem que empreende, Chris precisa abandonar tudo, como o dinheiro que ele queima e torna-se símbolo de uma quebra de laço irreversível com a sociedade e a própria humanidade. “... a viagem de Christopher em Na Natureza Selvagem é trajetória metafísica, de busca do ser, e não simplesmente uma aventura. Ao despojar-se de tudo, Christopher mergulha no abismo, na imensidão de si, representada pela natureza intocada. Christopher busca tudo. Ou o vazio, o que vem a dar na mesma.” (Luiz Zanin Oricchio, Estado de S.Paulo)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Náufrago, ou o que todos nós buscamos


O que pode mover um homem sozinho, perdido e abandonado numa ilha inóspita e quase sem vida após um acidente aéreo? A resposta para o náufrago vivido por Tom Hanks no cinema e para todo ser isolado só pode ser a busca pelo outro. A companhia vital, pela qual anseiam a maioria dos seres humanos, exceto os ermitãos e xuxas da vida.

O filósofo francês Sartre nunca teria afirmado que “o infeno são os outros” se estivesse na pele do náufrago do filme. O vazio e silêncio da ilha desabitada, em que o tempo pára (contraste explosivo com a vida do personagem de Tom antes do acidente, como executivo da Federal Express, serviço de entrega de correspondência super rápido) poderia destruir a sanidade deste Robinson Crusoé moderno, pois não tem a felicidade de um amigo vivo, como Robinson tinha o índio Sexta-Feira.

Poderia, mas a insubstituível necessidade do outro, como a saudade da mulher amada, o fará sobreviver. Essa força ele recebe de seu melhor amigo na ilha: uma bola de vôlei chamada Wilson (um dos pacotes da Fed Express, surgidos junto com destroços do avião). Uma bola com rosto vivo, desenhado com o sangue das mãos feridas de nosso náufrago.

Miseráveis daqueles sem um ombro para se confortar. Como a criança que não se acalma ou dorme sem o aval carinhoso dos pais ou o olhar meigo de seu bicho de pelúcia, o náufrago nomeará o redondo Wilson como amigo e confidente para todas as coisas.

Que homem ou mulher não precisa ser um dia resgatado por mãos corajosas, para se libertar, reencontrar a verdade, um caminho, ou voltar a viver?

terça-feira, 1 de abril de 2008

Os meninos que enfrentaram o nazismo


Até onde você iria em defesa de seu coração? Abandonaria sua grande paixão se os poderosos, que mandam em seu país, fossem contra o que você mais acredita? Desistiria de seus amigos e sonhos, face o medo e à perseguição? Na Alemanha às vésperas da II Guerra Mundial, um grupo de jovens desafiou o governo nazista por amor a um estilo musical estrangeiro proibido, o swing, que curtiam e dançavam em salões clandestinos.

O motivo da proibição? O "rock and roll da época": o swing - uma das vertentes do jazz norte-americano - com sua liberdade e originalidade de ritmos, instrumentos e melodias, além da dança envolvente e espetacular, era uma ameaça ao conservadorismo e obediência preconizada pelo governo nazista. E, claro, era um elemento cultural que não tinha origem na “superior raça ariana”. E pior, alguns dos artistas mais populares do swing americano na Alemanha eram judeus.

Frente à repressão da terrível polícia secreta nazista, a Gestapo, e da Juventude Hitlerista [jovens alemães submetidos a uma verdadeira lavagem cerebral com propaganda nazista], o mais sensato seria esquecer um pouco a música, ou apenas ouvi-la escondido em casa.

Entretanto, nada amedrontou os garotos do swing. Eles arriscaram suas vidas pela arte que mais admiravam. É essa a história do emocionante drama “Swing Kids” [Os últimos românticos], filme imperdível para quem pretende jamais trair a verdade de seu próprio coração.