sexta-feira, 18 de abril de 2008

Diários de Humanidade


Grandes filmes são aqueles que nos modificam um pouco. Ou que nos lembram dos sonhos, tão puros e verdadeiros, da juventude. Sempre sonhei em atravessar o mundo conhecendo países, seus povos e culturas diferentes. Mas nunca desejei apenas conhecer lugares maravilhosos, da natureza ou construídos pelo homem. Me interessavam mais as pessoas, conversar com elas, perceber seus problemas, sonhos, paixões, suas histórias, ler suas palavras.

Geografia mais importante para mim foi sempre a humana: os sorrisos, existe paisagem-imagem mais deslumbrante?; as lágrimas-matas fechadas, quase inacessíveis; os campos verdejantes-abraços e apertos de mãos fortes com os amigos feitos estrada afora.

Geografia humana é o que empreendem os jovens argentinos Ernesto Guevara de La Serna e Alberto Granado, protagonistas desse essencial Diários de Motocicleta, obra-prima dirigida pelo brasileiro Walter Salles. O ano é 1952. Ernesto, na época conhecido pelo apelido de Fuser, era um estudante de medicina de 23 anos que aceita o convite do amigo Alberto, bioquímico de 30 anos, para uma louca viagem por toda a América do Sul, de um extremo ao outro, da gelada Patagônia argentina à selva do Peu e Venezuela. O desejo desses grandes amigos era mais a aventura de conhecer de moto novos lugares, mulheres para namorar, sentir a liberdade soprando no rosto e coração.

Graças que esse mesmo coração jovem dos dois - tão humano, pleno de sonhos e energia - em contato com a realidade dos pobres e miseráveis, que eram maioria em toda a América na época [e continuam até hoje], transformaria uma simples aventura em uma expedição pelo espírito humano.

À medida que avançam numa lendária moto Norton, batizada de La Poderosa, Alberto, o Gordo e Fuser vão sim, vivendo e se divertindo com encrencas que aprontavam, mulheres, amigos que faziam; mas mergulham fundo também nos dramas chilenos, peruanos, venezuelanos, especialmente dos camponeses e índios.

Impossível não se comover com os encontros de Fuser e Gordo com essa gente que perdera quase tudo - terra, bens, oportunidades educação e emprego – menos a dignidade e força para lutar. Quantos viajantes estão dispostos a se encontrar, ao invés de apenas passar pelos outros?

O mais incrível é como o diretor Salles reconstruiu essa aventura verídica dos argentinos [relatada no livro de mesmo nome que inspirou o filme]. Ele viajou meses com suas equipe e atores pelos mesmos lugares em que andaram Fuser, o futuro mito Che Guevara, e Gordo. E para dar mais veracidade à história, os personagens com que os jovens atores [os excepcionais Gael García Bernal, que faz Fuser, e Rodrigo de la Serna, que é Alberto] se relacionam no filme, são gente real, camponeses, índios e trabalhadores de pequenos povoados da América.

Impossível não sair então do cinema tocado pela necessidade de fazer algo pelos que precisam [e nosso Brasilzão miserável é tão parecido com a realidade desses Diários...], como aconteceu com o jovem Fuser, que se transformaria no mito rebelde-guerrilheiro Che Guevara.

Não assistir a esse filme é fugir de uma belíssima aula de humanidade pela qual passaram os jovens Fuser e Gordo. Pela qual deveríamos passar todos nós.

Porque deveríamos sempre pensar em “Nós”, e não apenas em nós mesmos.

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