sábado, 6 de setembro de 2008

O brilho é eterno?


Os grandes amores são inesquecíveis? Belo e perturbador, Brilho eterno de uma mente sem lembranças traz uma premissa instigante: uma mulher resolve apagar de sua memória o homem com quem vive. As razões? Não estava dando certo, o casal não se respeitava mais, brigavam demais. Só que ela esqueceu algo vital: ainda existia amor.

Kate Winslet [a mocinha de Titanic virou um mulherão] faz Clementine, uma garota perturbada, mas cheia de paixão e vida, em uma atuação magistral. O cara que resolve apagar é Joel, um tímido sensível, vivido por um impecável Jim Carrey. Ele também arrebenta, transformando-se de um bobalhão apático em um incansável lutador pela mulher de sua vida.

“Deletado” da vida de sua mulher [em um sinistro consultório especializado nesse aniquilamento de relações humanas], Joel resolve também passar pelo mesmo procedimento para esquecê-la. Só que, como diz o formidável título do filme, toda mente sem lembranças jamais apagará o brilho eterno de um homem e uma mulher que um dia se amaram demais.

A narrativa do filme incomoda um pouco, com indas e vindas no passado e presente, e com experiências amorosas dolorosas. Mas é um filme imperdível: para os românticos que acreditam no “brilho eterno” e para todo casal que um dia pensa que chegou ao limite.

Limite? Muitos desistem, vem a separação.

Graças que ainda resistem os valentes guerreiros que lutam por algo duro, mas tão belo, chamado “uma segunda chance”.

Amores verdadeiros nunca desaparecem.

*Posto abaixo o clipe do filme, com a maravilhosa canção tema, "Everybody's Got To Learn Sometime", em versão do Beck.

Irresistível


(ou como uma menina-mulher maravilhosa e um cara extraordinário resgatam a beleza de sermos nós mesmos)

Júlia Roberts já pode se aposentar, tranquila com uma legítima sucessora. Impossível não ser cativado e ficar feito bobalhão seduzido quando surge na telona a encantadora Jennifer Garner. Cada gesto, fala, olhar, ação e sorriso dela nos envolvem completamente. Fazia tempo que não surgia em Hollywood alguém tão doce, divertida, carismática e bela como ela. Seu charme e magnetismo fazem valer cada cena em que toma conta na comédia romântica “De repente 30”.

Estrela de mais um batido e bonitinho conto de fadas moderno? Não, o filme é obrigatório para qualquer um que um dia teve saudade dos valores mais puros e verdadeiros da infância [por que muitos se esquecem dos eternos anos incríveis?]. Conta a história de uma menina de 13 anos que, cansada de ser sacaneada pelas meninas “mais descoladas” da escola, sonha em acordar e já ter 30 anos. Ela consegue. De repente é uma linda mulher de 30 anos, editora bem-sucedida de uma revista de moda.

Sonho realizado de fama, sucesso e um ótimo salário? Não quando descobre que se tornou uma poderosa fútil, egoísta, vazia e impiedosa.

Como vai resgatar o que a vida lhe tirou de inocência e beleza? Sendo ainda por dentro aquela menina especial de 13 anos.

Você já viu isso antes, com o ótimo “Big, Quero ser grande”. Mas, Tom Hanks que me perdoe, “De repente 30” parece ainda mais irresistível. Por Jennifer. E também por Mark Ruffalo, que faz no filme o ex-amigo gordinho da menina apaixonado por ela na infância. O personagem de Mark aos 30 anos torna-se um fotógrafo sensível e batalhador [vive longe das vaidades e vazio do mundo da moda] e, claro, ajudará sua antiga paixão infanto-juvenil. Por que o cara também faz valer o ingresso? Porque o personagem de Mark Ruffalo é aquele típico boa praça que a gente faz tudo para ser amigo dele e casá-lo com nossa irmã. E tá, meninas, o cara ainda é daquela espécie em extinção: bonitão sincero, romântico, roqueiro de bom gosto e amigo fiel; parece o Zé...

Filme fundamental para botar o astral lá em cima e lembrar de quão especial e verdadeiro já fomos nos tempos em que éramos iguais aos nossos sonhos de moleque ou menina.

PS - Se você era moleque nos anos 80, vai pirar com a deliciosa trilha-sonora da época.

domingo, 11 de maio de 2008

O melhor da juventude


“Um minuto de silêncio perante essa poesia”, assim celebra e vibra o entusiasmado Carlo enquanto mostra um lugar em que deseja viver com a família] para seus amigos do peito, na tão verde, luminosa e bela região da Toscana, na Itália. Já casado e com filhos, Carlo está conversando com seus amigos de adolescência, que continuam fiéis quase trinta anos depois. O problema é que o lugar-poesia são apenas as ruínas de uma casa e muito mato alto, mas ele pede “um pouco de imaginação e fantasia” para os amigos entenderem a magia dali. Carlo é um dos personagens do filme italiano “O melhor da juventude” [La meglio gioventú*], uma sublime e delicada saga que acompanha a vida de três amigos plenos de paixões, dos anos 60 até os dias de hoje.

Carlo, Vitale e Nicola eram garotões sonhadores amantes do rock, da bonita música italiana romântica, de belas “raggazzas” [garotas] e lambretas que faziam da vida um espetáculo de amizade, respeito e dignidade – entre si e com os outros. Um dia acabam separados por uma viagem que não dá certo, pelas alegrias e pesadelos da vida numa conturbada e violenta Itália das décadas passadas.

Nicola sofrerá mais - com seu tímido e triste irmão Matteo, com a jovem Giorgia, que ele e o irmão salvam dos maus tratos de uma clínica psiquiátrica, com o amor por uma mulher que não o merece, com a dificuldade de criar uma filha sozinho – mas nunca abandonará, apesar da solidão, uma contagiante esperança pela vida. “Tudo é bonito”, é uma de suas mensagens, sobre uma viagem antiga, que ele levará pela vida toda. Porque Nicola é daqueles bravos que caem, muitas vezes, e choram, mas nunca perde a esperança e a graça de fazer os outros sorrir e perceber quantas maravilhas e possibilidades existem nessa vida, mesmo que elas demorem tanto para se concretizarem.

Mas talvez ele só não tenha desistido, e perdido, porque, em momentos cruciais, contou com uma palavra, um abraço e um olhar fundamental de seus amigos da juventude que não o deixaram.

Amigos como Carlo, aquele que pediu um minuto de silêncio pela poesia de uma bela paisagem e projeto de casa-vida.

Amigos como vocês, que deixam um carinho-comentário, um abraço, que dizem coisas bonitas nas baladas, viagens ou em simples aulas. Um minuto de silêncio então pela sensibilidade e amizade-amor-ternura que vocês demonstram e que jamais esquecerei.

E tentem lembrar também de outro pedido de Carlo: quando as coisas não estiverem claras ou quando não estiverem dando muito certo, é vital [e faz tão bem!] lançar um olhar - para a vida e nós mesmos - com “um pouco de imaginação e fantasia”.

* O filme passou no canal Cinemax.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Valentin, um lutador de 8 anos


“Valentin” é mais um pequeno tesouro do tão humano cinema argentino, mais preocupado em contar histórias simples de afetos e relacionamentos que poderiam ter acontecido com a gente [ou aconteceram mesmo, de forma parecida]. O Valentim do nome do filme é “apenas” um menino. Mas como já sabe viver. E viver, de verdade, só pode ser lutar. É isso o que faz todo dia esse garoto de classe média baixa que mora sozinho com a avó numa casa humilde, mas confortável, na Buenos Aires, Argentina, dos anos 60.

A luta de Valentin é para reconstruir sua família, partida desde que sua mãe fugiu, por não agüentar mais os maus tratos do pai. Pai esse que não some, mas também sai de casa, deixando o moleque com a avó. Sim, muitas crianças crescem bem cuidadas e cheias de carinho quando são criadas pelos avós. Não é o caso da amarga e triste “abuela” de Valentin.

Como lutar para ter uma nova família [pai e mãe]? A única esperança do menino é sempre uma nova namorada de seu pai. O problema é que seu velho, agressivo, acaba espantando uma por uma. Ou as mulheres que ele encontra fogem muito dos ideais do menino, de uma nova mãe linda, delicada, carinhosa e com os cabelos da cor que mais gosta numa mulher.

Mas o desenvolto guri não desanima. Não é daqueles de ficar se lamentando [mais um daqueles filmes de crianças metidas com jeito de adultas? Não, é apenas um pequeno que fará de tudo para ser feliz, para receber mais amor, e poder dar também].

Vai à luta então Valentin, enfrentando a super proteção da avó, tentando fazer novos amigos, como um solitário pianista de rock seu vizinho, sonhando com o que será no futuro [divertidas as cenas em que mostra seus brinquedos que inventa pensando em virar astronauta] e, sobretudo, torcendo para que seu pai arranje A NAMORADA.

Um dia ela surgirá. Como Letícia [a belíssima Julieta Cardinali], a namorada do velho que Valentin sonha em ter como mãe.

Mas esse é um filme argentino. Não é Hollywood, onde ser feliz parece muito fácil. E filmes argentinos são como a vida real, cheia de imperfeições e desencontros.
Mas são também filmes simples que tentam nos ensinar algo bonito [sem apelar para cenas ou música melodramáticas], como a vida de quem jamais desiste de lutar. De quem não abaixa a cabeça ou se esconde atrás de pequenos problemas, como a avançada miopia de Valentin, atrás de seu óculos de lentes enormes.

E esse Valentin [uma das mais espetaculares atuações de uma criança no cinema, por Rodrigo Noya] é um lutador maravilhoso que nos deixa, ao sair do filme, aquele sorriso de esperança fundamental.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Diários de Humanidade


Grandes filmes são aqueles que nos modificam um pouco. Ou que nos lembram dos sonhos, tão puros e verdadeiros, da juventude. Sempre sonhei em atravessar o mundo conhecendo países, seus povos e culturas diferentes. Mas nunca desejei apenas conhecer lugares maravilhosos, da natureza ou construídos pelo homem. Me interessavam mais as pessoas, conversar com elas, perceber seus problemas, sonhos, paixões, suas histórias, ler suas palavras.

Geografia mais importante para mim foi sempre a humana: os sorrisos, existe paisagem-imagem mais deslumbrante?; as lágrimas-matas fechadas, quase inacessíveis; os campos verdejantes-abraços e apertos de mãos fortes com os amigos feitos estrada afora.

Geografia humana é o que empreendem os jovens argentinos Ernesto Guevara de La Serna e Alberto Granado, protagonistas desse essencial Diários de Motocicleta, obra-prima dirigida pelo brasileiro Walter Salles. O ano é 1952. Ernesto, na época conhecido pelo apelido de Fuser, era um estudante de medicina de 23 anos que aceita o convite do amigo Alberto, bioquímico de 30 anos, para uma louca viagem por toda a América do Sul, de um extremo ao outro, da gelada Patagônia argentina à selva do Peu e Venezuela. O desejo desses grandes amigos era mais a aventura de conhecer de moto novos lugares, mulheres para namorar, sentir a liberdade soprando no rosto e coração.

Graças que esse mesmo coração jovem dos dois - tão humano, pleno de sonhos e energia - em contato com a realidade dos pobres e miseráveis, que eram maioria em toda a América na época [e continuam até hoje], transformaria uma simples aventura em uma expedição pelo espírito humano.

À medida que avançam numa lendária moto Norton, batizada de La Poderosa, Alberto, o Gordo e Fuser vão sim, vivendo e se divertindo com encrencas que aprontavam, mulheres, amigos que faziam; mas mergulham fundo também nos dramas chilenos, peruanos, venezuelanos, especialmente dos camponeses e índios.

Impossível não se comover com os encontros de Fuser e Gordo com essa gente que perdera quase tudo - terra, bens, oportunidades educação e emprego – menos a dignidade e força para lutar. Quantos viajantes estão dispostos a se encontrar, ao invés de apenas passar pelos outros?

O mais incrível é como o diretor Salles reconstruiu essa aventura verídica dos argentinos [relatada no livro de mesmo nome que inspirou o filme]. Ele viajou meses com suas equipe e atores pelos mesmos lugares em que andaram Fuser, o futuro mito Che Guevara, e Gordo. E para dar mais veracidade à história, os personagens com que os jovens atores [os excepcionais Gael García Bernal, que faz Fuser, e Rodrigo de la Serna, que é Alberto] se relacionam no filme, são gente real, camponeses, índios e trabalhadores de pequenos povoados da América.

Impossível não sair então do cinema tocado pela necessidade de fazer algo pelos que precisam [e nosso Brasilzão miserável é tão parecido com a realidade desses Diários...], como aconteceu com o jovem Fuser, que se transformaria no mito rebelde-guerrilheiro Che Guevara.

Não assistir a esse filme é fugir de uma belíssima aula de humanidade pela qual passaram os jovens Fuser e Gordo. Pela qual deveríamos passar todos nós.

Porque deveríamos sempre pensar em “Nós”, e não apenas em nós mesmos.

terça-feira, 8 de abril de 2008

O sonho sem fim das ondas da vida


“Big Wednesday” é a história de três jovens amigos inseparáveis da praia, ondas, gatas e baladas, que um dia terão que amadurecer. Matt (Jan Michael-Vincent), Jack (William Katt) e Le Roy (Gary Busey) vivem uma juventude dourada na Califórnia dos anos 60. Crescem entre sessions mágicas de surf, farras com amigos e doces mulheres.

Mas sempre existirá um “turning point”, um momento de ruptura onde se deixa de ser um menino para encarar as exigências do mundo adulto. Para o mais sensível dos brothers do filme, Jack, esta passagem é ainda mais traumática: ele parte para uma das mais estúpidas, insanas e inúteis guerras, a do Vietnam.

Quem não muda depois da guerra? Quem não se transforma ao encarar a necessidade de trabalhar e ter que viver um cotidiano longe do sonho dourado da juventude? Mas algo resiste: nos homens e mulheres fortes, os ideais seguirão intensos e invioláveis (mesmo com a sociedade e o mercado tentando nos arrancar isso).

Voltando da Guerra, Jack vai surfar com ainda mais tesão e prazer, porque ele percebe a dádiva que representa cada momento nas ondas, cada instante mágico da vida. Rola então após o seu retorno uma sequência de surf, sob uma trilha sonora clássica e densa, que é a mais bonita e poderosa que já assisti.

E a amizade de verdadeiros irmãos? Jack volta para a realidade e começa a trabalhar como salva-vidas, na praia em que antes surfava sozinho com os amigos e agora estava crowdeada [cheia de gente]. Neste momento ele reencontra seu companheiro Matt, um grande surfista que não queria a fama e os já nascentes campeonatos. Bêbado, sem objetivos, Matt quer apenas bem viver com suas amadas ondas (e para isso, não poderia trabalhar), torna-se um homem triste e perdido. Metáfora dos homens e surfistas que se perdem por não quererem abandonar o sonho.

Mas se a vida é árdua e não permite para sempre a vida mágica da adolescência, pelo menos existirá um próximo swell, ou uma próxima sexta à noite, ou um próximo reencontro com os amigos de peito.

Para os três amigos - apesar de um permanecer meio perdido no mesmo lugar, o outro trabalhando como salva-vidas, e o terceiro vivendo não se sabe onde, sempre existirá também o desejo de se verem novamente.

Bastará então entrar um grande swell que eles surgirão. Virão para surfarem juntos e compartilharem o abraço salgado e as experiências que só uma session mágica com os brothers pode oferecer.

P.S. – Esse texto foi publicado em meu segundo livro, As Ondas da Vida, publicado pela Via Lettera e encontrado em alguns sites, como o Submarino.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O sentido da vida


free music

Uma das mais radicais odisséias de um homem em busca de paz e um sentido para a vida, sentimentos algo distantes da cidade e do que a maioria chama de civilização. Essa é a trama do fundamental, belo e chocante filme Na Natureza Selvagem.

Christopher McCandless é o sonho da sociedade americana. O jovem bonitão de família bem-sucedida que acaba de se formar na faculdade e tem todas as oportunidades que quiser pela frente. Após a formatura, ele vai almoçar com os pais, que debocham de seu carro velho e querem lhe dar um novinho, mais de acordo com o novo status do rapaz. Só que Christopher não quer saber de carro novo, tampouco de uma carreira. Desiludido com os excessos do materialismo e com um pai violento e manipulador - que só pensa em seu trabalho e espera que o filho tenha uma “vida normal” de sucesso como ele - o jovem só pensa em procurar o único lugar que poderá lhe dar paz: a natureza. Só que a natureza para Chris não é simplesmente relaxar e espairecer numa praia ou montanha e depois voltar pra “vida normal”. Em seu coração asfixiado, Chris só pensa em uma palavra-mantra, o lugar mais distante que imagina de seu país: Alaska. Só pensa em procurar algo que ainda desconhece. Algo próximo do isolamento da sociedade e da paz e libertação espiritual que tanto encontra em seus livros preferidos, de autores que buscaram a aventura, a vida selvagem ou o isolamento: Jack London, Thoreau, entre outros.

O jovem vai então sumir no mapa sem deixar rastros. Detalhe: antes de partir ele doa todas as suas economias, 24 mil dólares, a uma entidade de caridade.

Chris parte país afora com seu carro velho e depois segue caminho pegando carona, descendo rios de caiaque, viajando clandestinamente em trens e de carona de novo. Em sua jornada, cruza lugares de paisagens maravilhosas e dá um tempo em alguns povoados onde conhece pessoas especiais. Pessoas incríveis, mais humanas que o povo das grandes cidades, que poderiam fazê-lo esquecer o louco objetivo gelado do Alaska.

Fiel à verdade dessa história (da qual não darei detalhes para não estragar algumas supresas), o diretor Sean Penn nos entrega uma obra prima sobre a história real de de Chris. Rodado quase todo ao ar livre, com cenas de beleza inesquecíveis, Penn ainda é ajudado pela magnífica atuação do jovem Emile Hirsh (de Alpha Dog e Os Reis de Dogtown), que faz o protagonista e um elenco de apoio não menos pungente. Um elenco que torna os personagens solidários e generosos que cruzam a jornada de Chris ainda mais tocantes.

Na Natureza Selvagem é essencial para abalar nossos modos de vida e planos de vida ou para reafirmá-los, porque mesmo a inabalável convicção de Chris - de que o isolamento na natureza selvagem é o máximo que um homem pode aspirar – será questionada.

Sim, a missão-busca de Chris é algo quase sagrado, elevada e bela demais, mas falta-lhe talvez algo ensinado por um grande amigo que faz em sua viagem, um simples trabalhador rural: equilíbrio.

Mas como encontrar o equilíbrio frente a esse sistema e sociedade que nos massacram diariamente nas grandes cidades? Talvez mergulhando na belíssima trilha sonora do filme, toda ela composta, tocada e cantada por Eddie Vedder, o mestre do rock de alma do Pearl Jam. Eddie criou as canções de acordo com as cenas e jornada do filme. E quem melhor que o tão crítico líder do Pearl Jam para fazer uma trilha de um homem fugindo de nossa sociedade ultra materialista em busca de uma ascensão espiritual? Assim ele canta em Big Hard Sun, “When I go to cross that river / She is comfort by my side / When I try to understand /She just opens up her hands”. Quando eu vou cruzar o rio, Ela (A Natureza) me conforta ao meu lado / Quando eu tento entender / Ela apenas abre suas mãos.

Abrir as mãos, estendê-las e oferecê-las. Por que os homens não aprendem a grande lição de generosidade e pureza da Natureza?

E por que os homens não percebem quando encontram na grande jornada pessoas tão amplas, belas e cheias de amor como a Natureza? Talvez porque seja preciso retribuir essas mãos, tocá-las e ficar com elas. Chris precisou fugir de uma sociedade e vida de mãos encolhidas, que lhe apontavam apenas metas financeiras e uma carreira convencional. Mas na grande viagem ele encontrará mãos, braços e almas que se abrem de verdade para ele.

Por que seguir em frente? Talvez porque na viagem que empreende, Chris precisa abandonar tudo, como o dinheiro que ele queima e torna-se símbolo de uma quebra de laço irreversível com a sociedade e a própria humanidade. “... a viagem de Christopher em Na Natureza Selvagem é trajetória metafísica, de busca do ser, e não simplesmente uma aventura. Ao despojar-se de tudo, Christopher mergulha no abismo, na imensidão de si, representada pela natureza intocada. Christopher busca tudo. Ou o vazio, o que vem a dar na mesma.” (Luiz Zanin Oricchio, Estado de S.Paulo)

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Náufrago, ou o que todos nós buscamos


O que pode mover um homem sozinho, perdido e abandonado numa ilha inóspita e quase sem vida após um acidente aéreo? A resposta para o náufrago vivido por Tom Hanks no cinema e para todo ser isolado só pode ser a busca pelo outro. A companhia vital, pela qual anseiam a maioria dos seres humanos, exceto os ermitãos e xuxas da vida.

O filósofo francês Sartre nunca teria afirmado que “o infeno são os outros” se estivesse na pele do náufrago do filme. O vazio e silêncio da ilha desabitada, em que o tempo pára (contraste explosivo com a vida do personagem de Tom antes do acidente, como executivo da Federal Express, serviço de entrega de correspondência super rápido) poderia destruir a sanidade deste Robinson Crusoé moderno, pois não tem a felicidade de um amigo vivo, como Robinson tinha o índio Sexta-Feira.

Poderia, mas a insubstituível necessidade do outro, como a saudade da mulher amada, o fará sobreviver. Essa força ele recebe de seu melhor amigo na ilha: uma bola de vôlei chamada Wilson (um dos pacotes da Fed Express, surgidos junto com destroços do avião). Uma bola com rosto vivo, desenhado com o sangue das mãos feridas de nosso náufrago.

Miseráveis daqueles sem um ombro para se confortar. Como a criança que não se acalma ou dorme sem o aval carinhoso dos pais ou o olhar meigo de seu bicho de pelúcia, o náufrago nomeará o redondo Wilson como amigo e confidente para todas as coisas.

Que homem ou mulher não precisa ser um dia resgatado por mãos corajosas, para se libertar, reencontrar a verdade, um caminho, ou voltar a viver?

terça-feira, 1 de abril de 2008

Os meninos que enfrentaram o nazismo


Até onde você iria em defesa de seu coração? Abandonaria sua grande paixão se os poderosos, que mandam em seu país, fossem contra o que você mais acredita? Desistiria de seus amigos e sonhos, face o medo e à perseguição? Na Alemanha às vésperas da II Guerra Mundial, um grupo de jovens desafiou o governo nazista por amor a um estilo musical estrangeiro proibido, o swing, que curtiam e dançavam em salões clandestinos.

O motivo da proibição? O "rock and roll da época": o swing - uma das vertentes do jazz norte-americano - com sua liberdade e originalidade de ritmos, instrumentos e melodias, além da dança envolvente e espetacular, era uma ameaça ao conservadorismo e obediência preconizada pelo governo nazista. E, claro, era um elemento cultural que não tinha origem na “superior raça ariana”. E pior, alguns dos artistas mais populares do swing americano na Alemanha eram judeus.

Frente à repressão da terrível polícia secreta nazista, a Gestapo, e da Juventude Hitlerista [jovens alemães submetidos a uma verdadeira lavagem cerebral com propaganda nazista], o mais sensato seria esquecer um pouco a música, ou apenas ouvi-la escondido em casa.

Entretanto, nada amedrontou os garotos do swing. Eles arriscaram suas vidas pela arte que mais admiravam. É essa a história do emocionante drama “Swing Kids” [Os últimos românticos], filme imperdível para quem pretende jamais trair a verdade de seu próprio coração.

sexta-feira, 28 de março de 2008

O sonho que o rock e a vida já foram


O sonho ainda não havia acabado. Assim eram os anos 70, fartos em contestação, atitude e invenção. O filme “Quase Famosos” resgata esses tempos mais puros e bonitos, em que se acreditava que uma canção pudesse mudar uma vida.

Só há vida com o rock. É isso o que percebe o garoto William Miller, personagem principal do filme. Sua irmã mais velha roqueira, Anita, não suporta a repressão da mãe e vai embora ser aeromoça. Mergulha fundo na canção de Simon e Garfunkel, “I walked out to look for America” (eu caí fora para procurar pela América).

Herança de sonho. Antes de botar o pé na estrada, Anita entrega ao irmãozinho William um tesouro que escondia embaixo da cama. O menino abre uma grande caixa e logo se vêem discos das grandes bandas e artistas da época, Led Zeppelin, The Who, Bob Dylan, Simon e Garfunkel, Black Sabbath e outras lendas.

Da paixão faz-se uma vida. O garoto cresce, torna-se um adolescente tímido, mas roqueiro genuíno (pega fogo por dentro como longos e improvisados solos de guitarra). E com 15 anos, começa a escrever sobre rock, em pequenos jornalzinhos.

O Mestre. Sorte de William que ele passa a desfrutar dos conselhos de um genial crítico da época, Lester Bang, que não liga para a pouca idade do menino (prestem atenção, professores, pais e editores de todas as épocas!), pois tem fé no seu talento. “Só” lhe cobra que William seja “honesto e impiedoso” com os astros do rock.

O garoto aprimora o ouvido e seus textos com Lester e acaba sendo convidado para escrever na maior revista de rock, comportamento e cultura da época, a Rolling Stone. Sua missão? Viajar com uma banda de rock em ascensão, a Stillwater (clara inspiração do Led Zeppelin) e fazer essa cobertura.

William enfrenta a estrada como sua irmã. Aprenderá a lidar com amigos, paixões e ídolos, com o sexo e o amor. Sua guia “on the road” será a doce, sincera e sensual fã da banda, Penny Lane.

Como ficar impune ao seu envolvimento com a banda? O caminho da integridade William descobrirá com quem viaja junto dele e refletindo sobre as belas mensagens das canções do filme (de Simon e Garfunkel, Elton John, Yes etc).

Canções com melodias sublimes, letras que diziam algo e o fervor de um tempo em que ainda se lutava por um mundo mais bonito e decente. Bem diferente das mentiras, marketing, jabás e mediocridade do rock (rock?) de hoje. Bem diferente da passividade que amputa a vontade dos jovens desse novo século.

A essência do rock daria alguns suspiros depois (com Kurt Corbain, Eddie Vedder, outros grunges, com os irmãos Gallagher e os antigos que não desistem da estrada), mas se perdeu em algum pedaço da geração de “Quase Famosos”.

Lição final? Em um momento decisivo do filme, William está junto do guitarrista da Stillwater, Russell, e faz a pergunta fundamental: “o que você mais ama na música?”.
Com apenas 15 anos, William já sabia o que deveria procurar: a essência do que fazemos, de quem somos, de nossos sonhos, de nossas crenças.

Obrigado por nos lembrar da verdade, William Miller. A verdade celebrada na balada “Simple Man”:

“…siga seu coração e nada mais
seja um homem simples
seja algo que você ama e compreenda…”


* Dedicado a todos meus amigos roqueiros, e em especial, ao brother do remo, à mestra da Ginástica e Van Halen e à doutora mais rock com amor que conheci. E para o Bora, que sempre me lembrou que "it´s all happenning".

As Crianças da Revolução


“Duzentos anos de tecnologia americana criaram sem querer um imenso playground de cimento de potencial ilimitado. Mas foram só as mentes de garotos de 11 anos de idade que puderam perceber esse potencial.” [Craig Stecyk, revista Skateboarder, 1975]

Esportistas radicais [e qualquer outro rebelde que se preze] que não conhecem a história dos Z-Boys, desconhecem parte dos pilares de coração, coragem, inovação e talento que ajudaram a transformar o sk8 e os outros esportes de ação para sempre.

Los Angeles, Califórnia, anos 70. Um grupo de garotos de famílias desajustadas de um quarteirão miserável, batizado de Dog Town [“cidade dos cachorros”], leva para o skate a beleza e ousadia das manobras do surf e revolucionam o esporte das rodinhas. Além disso, o grupo evolui de moleques sem futuro para exemplos de atletas profissionais e depois empresários de sucesso. Essa é a história real dos amigos adolescentes e hoje mitos do skate, Tony Alva, Jay Adams, Stacy Peralta, entre outros, revelada no fabuloso documentário “Dog Town and the Z-Boys”.

Um bando de moleques ousados não poderiam fazer esse estrago sozinhos. Vital então foi a pioneira loja de surf e sk8 de Dog Town, a Zéphyr, criada pelo shaper Jeff Ho, com os sócios, Skip Engblom e o artista Craig Stecyk. Jornalista, artista e fotógrafo Stecyk foi o homem que traduziu aquele verdadeiro movimento para a mídia.
Explosão. “Aqueles meninos de famílias destruídas, acabaram formando um verdadeiro clube na loja. E eles colocavam no surf e no skate toda a agressividade que traziam de seus lares desfeitos”, lembra Skip.

As mudanças profundas implantadas pelos Z-Boys? Antes deles, o skatistas apenas faziam manobras suaves, como andar até o bico, deslizar com os pés nele, plantar bananeira etc. Com eles, surgiram no asfalto, pela primeira vez, manobras típicas das ondas: cavadas e rasgadas com velocidade e risco.

O mestre. Os Z-Boys incorporaram a arte e agressão de Larry Bertleman, o mais radical e estiloso surfista da época, o pioneiro a colocar as mãos na água a cada manobra, parecia sempre pintar as ondas. Nascia então o sk8 moderno, uma ode ao estilo, velocidade, risco e força.

Jimmy Hendrix das rodinhas. Antes dos Z-Boys, o skate era apenas mais um equipamento esportivo. “Nós pés desses meninos, o sk8 não é mais uma peça de equipamento esportivo, como uma raquete de tênis. É mais uma guitarra elétrica, um instrumento agressivo, irreverente, de expressão pessoal espontânea.” [G Beato, jornal The Guardian, Inglaterra]

E os garotos de Dog Town levariam o skate ainda mais longe. Em 1975, com uma longa seca assolando a Califórnia, água virou produto de luxo, super racionada. Resultado imediato? As piscinas ficaram vazias. Os Z-Boys não perderiam aquela maravilhosa disneylândia por toda a cidade. Começaram a desbravar piscinas-picos de todo tipo. Primeiro, só rasgavam as paredes. Logo alcançaram as bordas e trouxeram as batidas do surf para o sk8. Só que o surf ficaria para trás quando um dia Tony Alva levantou vôo e conseguiu aterrisar na piscina. Sim, era o primeiro aéreo, o que mudaria os esportes radicais para sempre.

Mas nem tudo é alegria e sucesso em Dog Town. Como a trajetória do mais telentoso garoto daquele grupo, Jay Adams. Raras imagens como a do então menino Adams, cabelos compridos desgrenhados, jeans surrado e energia de seus 15 anos de garoto pobre voando, desenhando belas linhas em qualquer pico, são tão representativas do que é a liberdade, arte e o abandono mais puro desse esporte. Mas Jay Adams atuais mostravam um homem entristecido, dando seus depoimentos da penitenciária do Hawaii onde cumpria pena por tráfico de drogas.

“Dog Town and Z-Boys” mostra toda essa epopéia com imagens da época, em Super 8, e traz depoimentos recentes. Pra completar, uma fantástica trilha sonora dos anos 70, com Black Sabbath, Alice Cooper, Aerosmith, Led Zeppelin, Peter Frampton, Ted Nugent... só sonzeira. Dog Town estréia amanhã [sexta] nos cinemas paulistanos. O diretor do filme é o próprio ex-menino da Zéphy, Stacy Peralta, hoje bem-sucedido cineasta.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Peixe Grande (o dia em que entendi meu pai)


“Um homem que procura encontrar a verdade na fantasia” [Peter Travers, revista Rolling Stone]. Assim é Ed Bloom, o personagem principal do filme “Peixe Grande” [Big Fish]. Nesses tempos de overdose de realidade – a violência, desrespeito, desamor e o não enxergar o outro predominam - Bloom é ainda mais essencial. Porque ele enxerga a beleza por trás de cada pequeno acontecimento e relacionamento.

Pais e Filhos. Ed Bloom [magistral atuação de Albert Finney] é um senhor já aposentado que está morrendo em sua casa. Seu filho, o jornalista Will [Bill Crudup, de Quase Famosos], mora em Paris e não o vê há anos. O motivo? Tinha brigado com o pai porque “não aceitava mais as mentiras que ele contava”. Will crescera escutando os “causos” cabulosos do pai: aventuras incríveis com bruxas videntes, gigantes, um dono de circo que vira lobo, uma mágica cidadezinha escondida num bosque sinistro, o incrível amor à primeira vista com a mãe de Will, e muito mais.

Um dia o filho, já crescido, resolveu entender a magia e beleza das histórias do pai como farsas. O filme trata então do reencontro de Will com o pai. É a tentativa final dele de descobrir se existia alguma verdade naquelas lendas. Enquanto ele tenta, assistimos às maravilhosas imagens das histórias contadas pelo velho Edward, num espetáculo de cores, paisagens e encontros cheios de amizade e amor que são a marca do diretor Tim Burton [o mesmo de Eduardo Mãos de Tesoura, com Johnny Depp].

Claro que Will, como jornalista e filho, anseia pela verdade. “Pai, você nunca me contou um único fato, só me falou de suas lendas impossíveis”, assim questiona o velho. Mas logo perceberá que a imaginação farta do pai não eram lorotas. Eram lições de vida. Porque um sonhador como Ed Bloom jamais aceita essa seqüência brutal e estúpida de rotinas que alguns acham que é vida. Sua missão é outra. É torná-la mais suportável, bela, feliz. Para seu filho, amigos e a mulher de sua vida [em cativante e terna performance de Jessica Lange].

Qualquer filho que se preze deixa a sala de cinema de Peixe Grande emocionado [mas não saiam antes da bonita canção de Eddie Vedder, “Mr. Pearl Jam”, que toca junto dos letreiros]. “Ah, pai, pára, não inventa”... “Papai aumenta tudo”... Lembrei quantas vezes falei isso pro meu velho, quando ele vinha contar aquelas coisas que nem os contos de fadas tinham coragem de inventar.

Mas lembrei também das loucuras que meu velho aprontava, como as inúmeras vezes em que tocou fogo nos terrenos baldios [e chamava os bombeiros metendo o pau no “louco” que fez isso...], jogava bomba de estilingue no quintal do vizinho chato, tava cinco minutos no sítio de alguém e logo jogava o cachorro mais cheio de barro na piscina, jogava bomba de fumaça nas minhas festas de aniversário, entrava no estádio do Morumbi “pagando” como ingresso um saco de mexericas para o porteiro [e ele entra de graça até hoje!, com outras artimanhas], etc.

Valeu, velho, por fazer da vida algo bem mais divertido e por nunca ter perdido a capacidade de “incrementar” qualquer historinha. Sempre adorei, por exemplo, perguntar pra você, ”pai, você viu tal jogador jogar [algum craque do passado, do futebol ou basquete]?” e você sempre responder, “vi”, e contava algo. Você podia nuca ter visto o cara, mas sabia como descrever-inventar um gol ou uma partida incrível. Obrigado então, pai, por fazer da vida um eterno romance.

O Velho do Mar


Califórnia, EUA, dias de hoje. Um antigo campeão das ondas, Jim Wesley, quase um cinqüentão, poderia ter desistido da vida após perder a mulher e o filho em um acidente. A fidelidade aos seus ideais e às ondas não permite essa fuga e covardia. Porque Jim ainda sabe que a palavra fundamental é “compartilhar”.

É por isso que ele entra na vida de um garoto, órfão de pai, que quer aprender a surfar. É assim que ele vai voltar a viver: dividindo sorrisos e sessions com esse menino.

Óbvio imaginar o que acontecerá [o moleque ainda tem uma bela mãe e um irmão rebelde]? Sim, mas as palavras de Jim Wesley não são nada banais. São bem diferentes dos egos inflados, egoísmo e desrespeito que transbordam hoje dentro e fora do mar.

Jim se afastou das competições e da busca por ondas cada vez maiores porque achou que tinha coisas mais importantes para fazer: “Passei tanto tempo tentando provar algo, tentando ser aquele cara [de um pôster na parede, ele dropando uma morra monstruosa], que esqueci a razão pela qual eu surfava”.

Ele também passou uma borracha na interminável procura da onda perfeita: “As ondas que eu pegarei amanhã serão sempre as melhores e mais importantes.”

O que vale para Jim Wesley é surfar. Em qualquer lugar, em qualquer tipo de onda.
Não importa o tamanho da onda. Mais importante é o tamanho do coração do surfista.

Pensem nisso antes de reclamar do mar e de qualquer coisa.

“Não importa se o mar está calmo ou feroz, mas sim o modo como você vai sentir a brisa em sua alma” [Janaína Grasso, ex-aluna do colégio Horizontes-Uirapuru]

PS – Jim Wesley é na verdade o ator Mark Harmon. É um personagem do filme “No Calor do Verão” [passa no canal a cabo Cinemax e pode ser alugado em vídeo ou DVD]. Um filme despretensioso e simples. Mas o olhar e palavras de Jim valem mais que horas e horas desses vídeos de surf moderninhos.