quinta-feira, 27 de março de 2008

Peixe Grande (o dia em que entendi meu pai)


“Um homem que procura encontrar a verdade na fantasia” [Peter Travers, revista Rolling Stone]. Assim é Ed Bloom, o personagem principal do filme “Peixe Grande” [Big Fish]. Nesses tempos de overdose de realidade – a violência, desrespeito, desamor e o não enxergar o outro predominam - Bloom é ainda mais essencial. Porque ele enxerga a beleza por trás de cada pequeno acontecimento e relacionamento.

Pais e Filhos. Ed Bloom [magistral atuação de Albert Finney] é um senhor já aposentado que está morrendo em sua casa. Seu filho, o jornalista Will [Bill Crudup, de Quase Famosos], mora em Paris e não o vê há anos. O motivo? Tinha brigado com o pai porque “não aceitava mais as mentiras que ele contava”. Will crescera escutando os “causos” cabulosos do pai: aventuras incríveis com bruxas videntes, gigantes, um dono de circo que vira lobo, uma mágica cidadezinha escondida num bosque sinistro, o incrível amor à primeira vista com a mãe de Will, e muito mais.

Um dia o filho, já crescido, resolveu entender a magia e beleza das histórias do pai como farsas. O filme trata então do reencontro de Will com o pai. É a tentativa final dele de descobrir se existia alguma verdade naquelas lendas. Enquanto ele tenta, assistimos às maravilhosas imagens das histórias contadas pelo velho Edward, num espetáculo de cores, paisagens e encontros cheios de amizade e amor que são a marca do diretor Tim Burton [o mesmo de Eduardo Mãos de Tesoura, com Johnny Depp].

Claro que Will, como jornalista e filho, anseia pela verdade. “Pai, você nunca me contou um único fato, só me falou de suas lendas impossíveis”, assim questiona o velho. Mas logo perceberá que a imaginação farta do pai não eram lorotas. Eram lições de vida. Porque um sonhador como Ed Bloom jamais aceita essa seqüência brutal e estúpida de rotinas que alguns acham que é vida. Sua missão é outra. É torná-la mais suportável, bela, feliz. Para seu filho, amigos e a mulher de sua vida [em cativante e terna performance de Jessica Lange].

Qualquer filho que se preze deixa a sala de cinema de Peixe Grande emocionado [mas não saiam antes da bonita canção de Eddie Vedder, “Mr. Pearl Jam”, que toca junto dos letreiros]. “Ah, pai, pára, não inventa”... “Papai aumenta tudo”... Lembrei quantas vezes falei isso pro meu velho, quando ele vinha contar aquelas coisas que nem os contos de fadas tinham coragem de inventar.

Mas lembrei também das loucuras que meu velho aprontava, como as inúmeras vezes em que tocou fogo nos terrenos baldios [e chamava os bombeiros metendo o pau no “louco” que fez isso...], jogava bomba de estilingue no quintal do vizinho chato, tava cinco minutos no sítio de alguém e logo jogava o cachorro mais cheio de barro na piscina, jogava bomba de fumaça nas minhas festas de aniversário, entrava no estádio do Morumbi “pagando” como ingresso um saco de mexericas para o porteiro [e ele entra de graça até hoje!, com outras artimanhas], etc.

Valeu, velho, por fazer da vida algo bem mais divertido e por nunca ter perdido a capacidade de “incrementar” qualquer historinha. Sempre adorei, por exemplo, perguntar pra você, ”pai, você viu tal jogador jogar [algum craque do passado, do futebol ou basquete]?” e você sempre responder, “vi”, e contava algo. Você podia nuca ter visto o cara, mas sabia como descrever-inventar um gol ou uma partida incrível. Obrigado então, pai, por fazer da vida um eterno romance.

2 comentários:

Anônimo disse...

Seu pai deve ser um fofo, Zé. Imagino como deve ser fantástico sentar ao lado dele e ouvir suas prosas e causos... E, imagino que, como todo bom e velho contador de histórias, ele seja convincente a ponto de nos fazer acreditar nas cenas mais impossíveis. Meu avô era assim. Gostava de inventar (ou incrementar) histórias e fazia isso com maestria.
Para ele, a vida era sempre uma roda gigante, cheia de emoção e aventura.
Sinto falta de ouvir suas histórias repetidas, tão ricas em detalhes que me faziam duvidar que fossem mesmo inventadas.
E esse filme é dos mais bonitos que já vi.
Um beijo!

Anônimo disse...

Quando somos mais novos, muitas vezes deixamos de ouvir o que os nossos pais têm a nos contar... eu sempre parei para ouvir os casos da minha mãe: alguns divertidos, outros tristes... daria tudo para poder voltar no tempo, e sentar pertinho dela só para poder as suas narrativas. Já meu pai é mais fechadão, muito difícil dele se abrir... mas o respeito, cada um tem o seu jeito de ser... o importante é manter o elo do amor sempre forte, seja lá onde eles estiverem, por que tudo passa, menos os sentimentos que temos por eles que estão aqui dentro da gente.
Um abraço,
Lu