sexta-feira, 28 de março de 2008

As Crianças da Revolução


“Duzentos anos de tecnologia americana criaram sem querer um imenso playground de cimento de potencial ilimitado. Mas foram só as mentes de garotos de 11 anos de idade que puderam perceber esse potencial.” [Craig Stecyk, revista Skateboarder, 1975]

Esportistas radicais [e qualquer outro rebelde que se preze] que não conhecem a história dos Z-Boys, desconhecem parte dos pilares de coração, coragem, inovação e talento que ajudaram a transformar o sk8 e os outros esportes de ação para sempre.

Los Angeles, Califórnia, anos 70. Um grupo de garotos de famílias desajustadas de um quarteirão miserável, batizado de Dog Town [“cidade dos cachorros”], leva para o skate a beleza e ousadia das manobras do surf e revolucionam o esporte das rodinhas. Além disso, o grupo evolui de moleques sem futuro para exemplos de atletas profissionais e depois empresários de sucesso. Essa é a história real dos amigos adolescentes e hoje mitos do skate, Tony Alva, Jay Adams, Stacy Peralta, entre outros, revelada no fabuloso documentário “Dog Town and the Z-Boys”.

Um bando de moleques ousados não poderiam fazer esse estrago sozinhos. Vital então foi a pioneira loja de surf e sk8 de Dog Town, a Zéphyr, criada pelo shaper Jeff Ho, com os sócios, Skip Engblom e o artista Craig Stecyk. Jornalista, artista e fotógrafo Stecyk foi o homem que traduziu aquele verdadeiro movimento para a mídia.
Explosão. “Aqueles meninos de famílias destruídas, acabaram formando um verdadeiro clube na loja. E eles colocavam no surf e no skate toda a agressividade que traziam de seus lares desfeitos”, lembra Skip.

As mudanças profundas implantadas pelos Z-Boys? Antes deles, o skatistas apenas faziam manobras suaves, como andar até o bico, deslizar com os pés nele, plantar bananeira etc. Com eles, surgiram no asfalto, pela primeira vez, manobras típicas das ondas: cavadas e rasgadas com velocidade e risco.

O mestre. Os Z-Boys incorporaram a arte e agressão de Larry Bertleman, o mais radical e estiloso surfista da época, o pioneiro a colocar as mãos na água a cada manobra, parecia sempre pintar as ondas. Nascia então o sk8 moderno, uma ode ao estilo, velocidade, risco e força.

Jimmy Hendrix das rodinhas. Antes dos Z-Boys, o skate era apenas mais um equipamento esportivo. “Nós pés desses meninos, o sk8 não é mais uma peça de equipamento esportivo, como uma raquete de tênis. É mais uma guitarra elétrica, um instrumento agressivo, irreverente, de expressão pessoal espontânea.” [G Beato, jornal The Guardian, Inglaterra]

E os garotos de Dog Town levariam o skate ainda mais longe. Em 1975, com uma longa seca assolando a Califórnia, água virou produto de luxo, super racionada. Resultado imediato? As piscinas ficaram vazias. Os Z-Boys não perderiam aquela maravilhosa disneylândia por toda a cidade. Começaram a desbravar piscinas-picos de todo tipo. Primeiro, só rasgavam as paredes. Logo alcançaram as bordas e trouxeram as batidas do surf para o sk8. Só que o surf ficaria para trás quando um dia Tony Alva levantou vôo e conseguiu aterrisar na piscina. Sim, era o primeiro aéreo, o que mudaria os esportes radicais para sempre.

Mas nem tudo é alegria e sucesso em Dog Town. Como a trajetória do mais telentoso garoto daquele grupo, Jay Adams. Raras imagens como a do então menino Adams, cabelos compridos desgrenhados, jeans surrado e energia de seus 15 anos de garoto pobre voando, desenhando belas linhas em qualquer pico, são tão representativas do que é a liberdade, arte e o abandono mais puro desse esporte. Mas Jay Adams atuais mostravam um homem entristecido, dando seus depoimentos da penitenciária do Hawaii onde cumpria pena por tráfico de drogas.

“Dog Town and Z-Boys” mostra toda essa epopéia com imagens da época, em Super 8, e traz depoimentos recentes. Pra completar, uma fantástica trilha sonora dos anos 70, com Black Sabbath, Alice Cooper, Aerosmith, Led Zeppelin, Peter Frampton, Ted Nugent... só sonzeira. Dog Town estréia amanhã [sexta] nos cinemas paulistanos. O diretor do filme é o próprio ex-menino da Zéphy, Stacy Peralta, hoje bem-sucedido cineasta.

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